sábado, 16 de fevereiro de 2019

A cor da morte



Um jovem negro morreu. Mais um. É um caso tão corriqueiro que parece ter perdido o poder de chocar. Banalizamos a vida. Nos acostumamos com a morte.
Transformamos a pele negra na cor do crime e todos, sem exceção, são condenados por antecipação.

Um jovem negro morreu. E com ele morreu um pouco da esperança que ainda resta. Ele foi executado a sangue frio diante da mãe. Nas redes sociais, pessoas comemoraram a sua morte. No tribunal da internet, ele foi julgado e declarado bandido. Seu crime é a sua cor.

Um jovem negro morreu. Mas sua morte causa menos revolta do que a morte de um cachorro.

Um jovem negro morreu. E sua morte atestou outra morte: da nossa humanidade. Perdemos nossa capacidade de nos indignar e sentir empatia. Perdemos a razão.
Nos perdemos.

Mais um jovem negro morreu. Mais uma família chora. No país em que guarda chuvas viram fuzis, jovens negros vão continuar morrendo todos os dias.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Da Morte



A morte é o grande mistério da vida. É o absoluto desconhecido. E como todo desconhecido, ela nos causa medo, nos apavora. Foi justamente para afastar o medo causado pela morte que o homem criou a religião. Não por acaso, as grandes religiões do mundo buscam responder os mistérios que envolvem a morte e oferecer conforto aos vivos. A morte seria, em muitas religiões, apenas uma passagem para uma outra vida.
Apesar das respostas dadas pela religião, o fato é que a maioria de nós faz de tudo para afastar a ideia da morte do nosso dia a dia. Vivemos como se nunca fossemos morrer. O que é compreensível, uma vez que a lembrança constante da nossa finitude pode nos levar à infelicidade, à angústia. Assim, a morte é expulsa do nosso cotidiano e quando ela aparece, é sempre de forma trágica, dolorosa.
No entanto, há uma expressão em latim que nos oferece uma outra forma de encarar a morte: Memento Mori (que significa algo como “lembre-se de que vai morrer”). Sempre que um general romano era recebido com festa pelo povo, depois de uma grande vitória, alguém ficava em sua carruagem sussurrando essas palavras: “Olhe ao seu redor. Não se esqueça de que você é apenas um homem. Lembre-se de que um dia você vai morrer”.
Por mais mórbida que essa ideia possa parecer, a lembrança da nossa mortalidade pode nos levar a ter outra relação com a vida. A consciência que estamos inexoravelmente condenados à morte, nos impele a valorizar mais a existência. Memento Mori, portanto, é um impulso à vida. É um imperativo para aproveitar os dias que nos restam da melhor maneira possível. Assim, é diante da ideia da morte que a nossa vida ganha sentido. Será que estamos fazendo valer a nossa existência? A vida é rara, portanto, carpe diem, aproveite o dia.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Brasil à beira do abismo






Desde a vitória de Dilma Rousseff, em 2014, o Brasil está presenciando uma das maiores crises políticas da sua história. Depois das eleições, o país se dividiu. Direita x Esquerda, Coxinhas x Petralhas: essa polarização tomou conta da política nacional e deixou em segundo plano qualquer discussão sobre um projeto de desenvolvimento para o país. O resultado foi uma grave crise econômica e política que culminou no impeachment/golpe de Dilma, em 2016. Paralelo a isso, a atuação da Lava-Jato expôs à sociedade graves escândalos de corrupção envolvendo praticamente todos os partidos, mostrando que no Brasil a corrupção é sistêmica, não é obra exclusiva do partido A ou B.
Esse conjunto de coisas provocou uma crise de representatividade na política. A democracia passou a ser questionada. Muitas pessoas passaram a falar abertamente em intervenção militar. No meio dessa crise (e graças a ela), a figura de Jair Bolsonaro ganhou força. Com um discurso conservador, contra minorias e, sobretudo, se colocando contra a chamada “velha política”, Bolsonaro passou a atrair os votos daqueles que estão insatisfeitos com a política tradicional brasileira. Esses eleitores veem nele uma espécie de salvador, um messias capaz de livrar o Brasil da corrupção e da “ameaça vermelha”.
Nesse novo cenário, a disputa política entre PT e PSDB que durante muito tempo predominou no Brasil, deu lugar à outra polarização: Bolsonaro x PT. Essa nova dualidade é muito mais perigosa. Ela tem o potencial de dividir ainda mais o país, uma vez que o antipetismo é tão grande quanto o antibolsonarismo. Essa disputa pode aumentar a radicalização na política brasileira, ameaçando a nossa democracia.
A possibilidade de uma segundo turno entre Bolsonaro e Fernando Haddad não parece ser saudável para o Brasil. Nessa disputa, o que vai predominar é o ódio. Independente de quem vencer as eleições, o país vai continuar dividido e a radicalização vai aumentar. Nesse momento, precisamos de uma terceira via, conciliadora, agregadora, que coloque os interesses nacionais acima de qualquer disputa ideológica.  Do contrário, podemos estar caminhando à passos largos para uma guerra civil.


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

AS CHAMAS DA IGNORÂNCIA




“Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos.”
Ray Bradbury – Fahrenheit 451

Hoje é um dia extremamente triste. O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, reduziu a cinzas mais de duzentos anos de história. Milhares de documentos, livros e artefatos arqueológicos foram consumidos pelo fogo. Muito mais do que papéis e objetos, o que queimou na noite deste domingo foi a nossa memória. Infelizmente, esse incêndio era uma tragédia anunciada. Ele reflete o descaso com que a História é tratada nesse país. Quando vemos um governo congelar os investimentos em educação e cultura por 20 anos, através da PEC 241, fica claro que a ignorância e o desprezo pela cultura é um projeto político.
Enquanto eu assistia as chamas consumir o Museu Nacional pela TV, com um nó na garganta e o coração apertado, inevitavelmente veio à minha mente o livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. O livro, escrito em 1953, nos apresenta um futuro onde a leitura é criminalizada e aos bombeiros caberia a tarefa de encontrar e incendiar livros. A ignorância, o desprezo pela reflexão, pela cultura e pela História são as principais marcas desse mundo distópico criado por Bradbury. O autor nos apresenta até a receita para a imbecilização do homem:

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias, as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”

É assustador constatar que entre a distopia criada por Ray Bradbury e a atual situação do Brasil não há nenhuma linha que separe ficção da realidade. Vivemos, diariamente, a nossa própria distopia. Ler Fahrenheit 451 é como ver nossa imagem refletida em um espelho. Aqui, valorizamos a ignorância em detrimento da inteligência. As opiniões substituem as reflexões. Vomitamos nossos preconceitos e nosso ódio nas redes sociais e acreditamos em todo tipo de fake news. Tudo isso se intensifica na mesma proporção em que desprezamos a História e a cultura. Aqui, prevalece a política de “deixar os historiadores para lá”. 
O incêndio do Museu Nacional reflete essa situação. Não foi acidente. O incêndio está em perfeita harmonia com o projeto de poder que impera no Brasil. As luzes que tomaram conta da Quinta da Boa Vista estão tragicamente ligadas aos tempos sombrios que estamos atravessando.


quinta-feira, 5 de abril de 2018

Muito além do Lula

 



Ontem, por mais de onze horas, foi julgado o pedido de habeas corpus de Lula no STF. A votação terminou 6x5 contra o pedido da defesa. O placar apertado é indicativo de que o tema é espinhoso e que não pode ser interpretado no campo das paixão políticas e extremismos.
Muito mais do que a concessão ou não do habeas corpus de Lula, o que estava em jogo na votação de ontem era uma questão maior, constitucional: a possibilidade de execução da pena a partir da condenação em segunda instância.

Os ministros que votaram a favor do habeas corpus entenderam que a prisão após condenação em segunda instância fere princípios constitucionais de presunção de inocência e aplicação da pena depois do trânsito em julgado.

Como versa o Art. 5, LVII:
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"

A decisão de negar o habeas corpus foi baseada em uma jurisprudência de 2016 na qual prevê a execução da pena a partir da condenação em segundo grau.

Se olharmos apenas a letra fria da lei, a prisão sem o trânsito em julgado é inconstitucional. No entanto, a decisão de 2016, a qual serviu de parâmetro para o resultado da votação de ontem, foi tomada na intenção de acelerar o cumprimento da pena, minimizando a impunidade daqueles que podem pagar bons advogados e fazer o processo se arrastar por décadas em um mar sem fim de recursos e embargos, visando a prescrição.

Tal situação contrasta com a realidade de grande parte da população carcerária brasileira que se encontra presa sem ao menos ter sido julgada, e no geral, por crimes de menor gravidade.

Juridicamente, o resultado de ontem foi um importante passo em busca de uma maior isonomia na aplicação das penas, fazendo a lei chegar àqueles que se acostumaram com a impunidade.

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

A valsa dos adeuses

Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
(...)
Vinicius de Moraes – Poema de Natal


Quando criança, muito cedo tive que aprender a dizer adeus a meu avô.  Até então, a morte fazia parte do meu mundo apenas como um conceito abstrato, sem nenhum fundamento na realidade. Acho que foi nessa época que me dei conta de que a parte mais triste da morte é a ausência. É o vazio deixado por aquele que se vai. Esse vazio nunca é preenchido: por mais que os anos passem e outras pessoas entrem nas nossas vidas, aquela ausência vai continuar ali. Vai nos acompanhar e fazer parte de quem somos.
Conforme fui crescendo, percebi que os adeuses não são exclusividades da morte. A própria vida se encarrega de nos tirar pessoas que pensávamos que iam nos acompanhar para sempre. Assim foi quando o meu melhor amigo de infância mudou com a família para outra cidade. Ou quando eu saí da minha primeira escola, deixando para trás bons amigos, apesar das promessas de que não perderíamos contato.
A nossa vida é uma sucessão de adeuses. Alguns não são sentidos, outros parecem que levam um pedaço de nós consigo. Como um grande quebra cabeça que vai perdendo as peças a cada despedida. Algumas pessoas ocupam um espaço enorme no nosso quebra cabeça e muitas vezes só nos damos conta depois que a peça já foi perdida. E não adianta colocar outra peça no lugar, pois cada peça do quebra cabeça tem um encaixe único. Como resultado, a cada adeus ficamos mais incompletos.
Depois de sentir e sofrer vários adeuses, eu finalmente aceitei a despedida como uma constante da vida. Ao mesmo tempo, percebi que o grande desafio é manter aqueles que importam por perto. Esse é o segredo: cuidar daqueles a quem não queremos dar adeus. No entanto, não tem como fugir, algumas pessoas simplesmente vão embora.



terça-feira, 29 de outubro de 2013

Sobre as Escolhas







Não há Destino. Não há nenhum caminho predeterminado para onde nossa vida seja conduzida, inexoravelmente. São nossas ações, nossos desígnios, nossos sucessos e fracassos que determinam o caminho que nossa vida vai tomar.
No entanto, à medida que olhamos o nosso passado, temos a tentação de enxergá-lo como uma sucessão linear de acontecimentos. Como se tudo contribuísse para que nossa vida tivesse acontecido exatamente da maneira que foi. Não enxergamos os desvios, as dúvidas, as vacilações que permearam cada uma de nossas escolhas.
A vida não é uma estrada em linha reta, ela é um labirinto. São nossas escolhas que nos guiam a cada encruzilhada. Isso faz com que cada decisão que tomamos adquira um peso assustador: são essas decisões que moldarão o nosso futuro, para o bem ou para o mal.
Paradoxalmente, a negação do Destino reveste a vida de leveza. Sem nenhuma força para determinar a sua trajetória, o homem se torna livre para ser o que quiser. Da mesma maneira que escolhemos ir por um caminho, podemos escolher voltar. Nada nos prende, exceto o medo de mudar.
Diante dessas reflexões, podemos ter duas atitudes diante da vida: ou tomamos as rédeas da nossa existência e construímos o nosso futuro, sem temer as dúvidas e as mudanças. Ou nos deixamos levar pela correnteza da vida e assistimos o passar do tempo de maneira passiva, deixando com que outras pessoas decidam por nós. No final, tudo é uma questão de escolha.

terça-feira, 12 de março de 2013

Aquilo que dá no coração


“Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”
(Fernando Pessoa)


Vivemos, todos, atormentados de sentidos. Viver, basicamente, é sentir. Estamos sempre experimentando as mais variadas e intensas sensações. No entanto, não é fácil lidar com esses sentimentos; conviver com eles muitas vezes é doloroso, impreciso, confuso. Temos medo de encará-los, de nos entregarmos a eles.
Por isso, talvez, constantemente tratamos sentimentos (nossos e alheios) como coisas que podem ser rotuladas, medidas, classificadas e até comparadas. Tentamos domesticar o que sentimos atribuindo nomes, conceituando. Falamos de ‘Amor’ como se essa palavra carregasse em si um significado universal, como se existisse uma relação necessária e natural entre a palavra e o sentimento.
Esquecemos que sentir é subjetivo, que cada pessoa vivencia e experimenta os sentimentos de uma maneira diversa, pessoal. Nossas experiências, nossas cicatrizes, nossos medos, mágoas e sonhos interferem na maneira que sentimos. Ninguém ama da mesma forma. Não existe um “modelo de amor universal” que possa servir de base para classificarmos o que sentimos. Na falta desse modelo, tendemos a usar o nosso modo de sentir como referência. Procuramos, no outro, encontrar aproximações, semelhanças que satisfaçam nossa expectativa. Dizemos um “Eu te amo” na esperança de ouvir um “Eu também”.
O problema é quando essas semelhanças não aparecem. Quando o modo de sentir dos outros não corresponde ao nosso ideal, à nossa “cartilha”. Somos tentados a negar esse sentimento, a taxá-lo de “Não-Sentimento”. Daí surge expressões como “falso amor” que sempre aparece em oposição ao “amor verdadeiro” que, evidentemente, seria o nosso. Mas, afinal, o que é o amor?
O título desse texto faz referência a uma música de Lenine¹. Nela, o cantor pernambucano fala dos “sintomas” do que costumamos chamar de amor. Descreve as supostas sensações de quem está apaixonado. No entanto, em nenhum trecho da música Lenine atribui um nome a esse sentimento. Não há, na letra, nenhuma menção direta ao ‘Amor’ ou a ‘Paixão’, ele canta simplesmente “Aquilo”. Lenine, em um momento de genialidade, opera uma desnaturalização dos sentimentos. Sem rotular, ele amplia os significados, as possibilidades. Nessa música, ele nos ensina que palavras não podem aprisionar sentimentos.


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¹ "Aquilo que dá no coração": http://letras.mus.br/lenine/1685719/




sábado, 12 de janeiro de 2013

Do Facebook e outros demônios





Já se disse que a vida é uma peça de teatro. Não poderia pensar em definição mais acertada. Somos todos atores, mascarados, encenando a tragédia que é a nossa existência.
Hoje, porém, percebo que essa ideia tem sido elevada a outro nível. Estendemos o palco das nossas vidas às redes sociais. Representar on line se tornou mais importante do que atuar no mundo.
Virtualmente, assumimos os mais variados papéis. Criamos e recriamos nossas personagens com a mesma velocidade que fazemos um download. Assim, o Facebook e outras redes sociais ocupam o lugar central da estetização da nossa existência. Nosso perfil virtual substitui nossa identidade ao mesmo tempo em que parecer “legal” na internet é mais importante do que ser “legal” na vida. No entanto, qual a razão desse fascínio? O que fez com que as redes sociais ocupassem essa centralidade na vida do indivíduo?
Platéia. Esse é o canto da sereia que nos atrai às redes sociais. Nelas, encontramos espectadores para nossas vidas. Pessoas para acompanhar todos os atos da nossa peça.
Temos a necessidade da platéia. Tudo que fazemos tem que ser mostrado, divulgado, postado, publicado. Cada pequena atividade, corriqueira, ordinária, se torna pública. Afinal, “se não colocar no Facebook, não aconteceu”.
De onde vem essa necessidade? Talvez, ela seja uma tentativa de superar o isolamento do indivíduo “pós-moderno”. Um placebo para nossa solidão. Um simulacro de relação humana...
O lado trágico dessa peça é que quando as cortinas baixam e a platéia deixa o teatro, o ator está sozinho no camarim. Então ele tira a máscara e olha para o espelho. Ele esboça um sorriso, mas a imagem refletida no espelho não sorri de volta.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Sobre a Felicidade:





Segundo Nietzsche, "o que faz da felicidade felicidade é o poder esquecer", em outras palavras, felicidade é "a capacidade de se instalar no limiar do instante, esquecendo todos os passados...". Por isso, talvez, que para a maioria das pessoas a felicidade é representada pela infância, essa idade onde não existe o peso do passado nem o do futuro, só a leveza do presente. Nas palavras de Milan Kundera: “as crianças também não têm passado, e é esse todo o mistério da inocência mágica do seu sorriso”.
Se Nietzsche estiver certo, ninguém, além das crianças, é plenamente feliz. Vivemos sob o peso das nossas lembranças e as incertezas quanto ao nosso futuro. A felicidade nos aparece como lampejos, alguns duram muito, outros nem tanto. Só ficamos felizes quando experimentamos o ato de esquecer, quando nos agarramos ao exato instante do agora. Quando sentimos “a-historicamente”.
Entretanto, nenhum homem (ou pouquíssimos) pode viver a-historicamente, o passado sempre estará presente e com ele sempre travaremos lutas. Quando muito, experimentamos um estado muito semelhante à apatia, mas não podemos tomá-lo como um estado de felicidade. O que nos resta? Reconhecer que nenhum homem é feliz, que tem apenas momentos de felicidade.
Não me condene! Não estou sendo pessimista. Reconhecer a raridade da felicidade é valorizá-la. A grande questão é como vivemos nossos momentos felizes, com quem os compartilhamos.
Uma troca de olhares, um sono compartilhado, uma história contada na cama... Quem sabe um dia, quando o peso do passado estiver nos esmagando, quando nosso corpo estiver vacilando e estiver prestes a sucumbir, vamos nos lembrar desses momentos de felicidade... Quem sabe até vamos nos voltar para o passado, olhar fixamente em seus olhos, e pronunciar talvez nossas últimas palavras: valeu a pena!


domingo, 11 de setembro de 2011

Lembrai-vos do 11 de Setembro...


11 de Setembro de 2001 - Ataque ao World Trad Center, EUA.


Hoje, 11 de setembro de 2011, o “mundo todo” relembra e chora pelos dez anos da queda das torres gêmeas do World Trad Center, nos EUA, naquilo que logo ficou conhecido como “o maior ataque terrorista da História”. O 11 de Setembro de 2001 vitimou quase 3 mil pessoas.
No entanto, não é meu objetivo aqui escrever sobre o 11 de Setembro norte-americano. Tampouco irei mencionar as inúmeras polêmicas e suspeitas que rondam esse “atentado terrorista”. Não vou, aqui, insinuar que o que houve foi um terrorismo de Estado, que o próprio governo norte-americano planejou ou ao menos facilitou os ataques (como muitos acreditam). Muito menos tocarei na questão de como o governo dos EUA se utilizaram dos atentados e do sofrimento da população para legitimar as incursões imperialistas no Afeganistão e no Iraque. Não é minha intenção associar a “Guerra ao Terror” promovida por George W. Bush a interesses puramente econômicos, como o interesse no petróleo, por exemplo. Afinal, não encontraram as armas de destruição em massa no Iraque, mas isso não vem ao caso.
Não! Não vou comentar que o famigerado terrorista (hoje ex-terrorista, pois segundo dizem, está morto!) Osama Bin Laden foi treinado e financiado pelos EUA na década de 80 para combater os soviéticos no Afeganistão...
Não! O objetivo desse texto é relembrar outro 11 de Setembro... Mais precisamente, 11 de Setembro de 1973. Esse 11 de Setembro não se passou nos EUA, se passou no Chile. Suas vítimas não foram quase 3 mil pessoas, mas sim 30 mil.
Lembrai-vos, lembrai-vos do 11 de Setembro de 1973! Quando um golpe de Estado pôs fim ao governo de Salvador Allende (eleito democraticamente em 1970), no Chile. O golpe militar do Chile teve cooperação e financiamento dos EUA e elevou ao poder o General Pinochet, que instaurou um período regido pela violência.
Mais do que uma simples mudança de governo, o golpe patrocinado pelos EUA interrompeu um governo democrático que buscava soluções paras os problemas sociais e econômicos que afetavam a sociedade chilena. Nacionalização de algumas empresas e bancos, Reforma agrária, participação popular, Democracia – tudo isso contrariava os interesses políticos e econômicos dos EUA no Chile. Como já havia ocorrido no Brasil em 1964 (e em quase toda a América Latina), o Chile cometeu o pecado de não seguir à risca a cartilha dos EUA e seguiu o caminho da autodeterminação, o resultado foi trágico.
Salvador Allende morreu durante o bombardeio do Palácio La Moneda (Palácio de Governo), de onde se recusava a sair. O que se seguiu depois foram mortes, prisões, torturas, estupros... O golpe de Estado de 11 de Setembro de 1973 manchou com sangue os sonhos e esperanças de toda uma geração que sonhava com justiça social e igualdade... Mais do que qualquer outro 11 de Setembro, o de 1973 precisa ser lembrado.



Salvador Allende, assassinado no Chile em 11 de Setembro de 1973.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Combates na História

Os "Caras Pintadas", em 1992



“Quem controla o passado controla o futuro;
 quem controla o presente controla o passado”
George Orwell – 1984

Afinal, o que é a História? Para que ela serve? Com certeza, muitos de nós já nos fizemos essa pergunta. Por mais complexa que possa parecer essa questão, uma coisa é certa: a História é perigosa. Sim, perigosa! Muitos a temem, outros tentam controlá-la. Por que?
A História não é simplesmente o acúmulo dos acontecimentos do passado. Nem tampouco é neutra, imparcial. Narrar uma história é atribuir significados, é dar importância a determinados acontecimentos em detrimento de outros, é fazer escolhas. Ela não está presa ao passado: pensamos e narramos a História a partir das questões e interesses do presente e, através dela, fazemos projeções para o futuro. Ela organiza um campo de ação, um modo de conceber o mundo. Nesse sentido é que se expressa sua dimensão política.
Constantemente, a História é usada para dar legitimidade a governos, perpetuar “certezas” e dissipar conflitos. É o que chamamos de “História Oficial”. Uma história que está a serviço da manutenção da ordem e perpetuação dos que estão no poder.
O uso político da História não é novidade: na antiga URSS, Stálin reconstrói a narrativa sobre a Revolução Russa e tira Trotsky, seu opositor, dos livros de história. Na literatura, George Orwell nos põe diante de uma Inglaterra futurística no qual a ditadura do Grande Irmão reescreve constantemente a História, utilizando-a para justificar seu poder e perseguindo aqueles que a questionam.
Ontem, 30 de Maio de 2011, a política brasileira deu mais um exemplo de como “usar” a História para perpetuar poderes. Foi reinaugurado, no Senado, o “Túnel do Tempo”: um corredor ao longo do qual se vê uma linha do tempo em que se exibem, através de imagens e textos, os “principais” acontecimentos políticos do país, de 1889 (proclamação da República) até os dias atuais. Curiosamente, o impeachment do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB – AL), de 1992, foi “apagado” da história.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB – AP), antigo desafeto e hoje aliado político de Fernando Collor, justificou a atitude alegando que o impeachment de Collor foi um “acidente que não deveria ter acontecido”, o acontecimento não teria sido “marcante”. Em suas palavras:
“Não posso censurar os historiadores que foram encarregados de fazer a história. Agora, acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente que não deveria ter acontecido na história do Brasil. Mas não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que foram os que construíram a história, não os que de certo modo não deveriam ter acontecido” (grifos meus).
O que Sarney pretende com essa atitude? Ele é capaz de determinar o que é importante ou não para a História? Classificar o processo de impeachment de Collor como um erro sem importância que não deveria ter acontecido é renegar a luta daqueles que foram às ruas no movimento dos Caras Pintadas gritando “fora Collor!”. É simplesmente tentar “varrer” da História um dos momentos em que a sociedade civil fez valer sua voz e derrubou o presidente da República. É uma agressão simbólica à sociedade brasileira. O Senado reescreveu a história do Brasil e nela não há lugar para os brasileiros.
No entanto, como já mencionei, a História é perigosa! Assim como pode sustentar um governo, ela pode derrubá-lo. O campo da História é antes de tudo um campo de combate. Daí a importância do historiador: ele deve lutar contra a História instituída, destruindo o discurso daqueles que querem perpetuar seus privilégios e poderes. Como escreveu o filósofo Walter Benjamin, ele deve “escovar a História a contrapelo”.