segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Brasil à beira do abismo






Desde a vitória de Dilma Rousseff, em 2014, o Brasil está presenciando uma das maiores crises políticas da sua história. Depois das eleições, o país se dividiu. Direita x Esquerda, Coxinhas x Petralhas: essa polarização tomou conta da política nacional e deixou em segundo plano qualquer discussão sobre um projeto de desenvolvimento para o país. O resultado foi uma grave crise econômica e política que culminou no impeachment/golpe de Dilma, em 2016. Paralelo a isso, a atuação da Lava-Jato expôs à sociedade graves escândalos de corrupção envolvendo praticamente todos os partidos, mostrando que no Brasil a corrupção é sistêmica, não é obra exclusiva do partido A ou B.
Esse conjunto de coisas provocou uma crise de representatividade na política. A democracia passou a ser questionada. Muitas pessoas passaram a falar abertamente em intervenção militar. No meio dessa crise (e graças a ela), a figura de Jair Bolsonaro ganhou força. Com um discurso conservador, contra minorias e, sobretudo, se colocando contra a chamada “velha política”, Bolsonaro passou a atrair os votos daqueles que estão insatisfeitos com a política tradicional brasileira. Esses eleitores veem nele uma espécie de salvador, um messias capaz de livrar o Brasil da corrupção e da “ameaça vermelha”.
Nesse novo cenário, a disputa política entre PT e PSDB que durante muito tempo predominou no Brasil, deu lugar à outra polarização: Bolsonaro x PT. Essa nova dualidade é muito mais perigosa. Ela tem o potencial de dividir ainda mais o país, uma vez que o antipetismo é tão grande quanto o antibolsonarismo. Essa disputa pode aumentar a radicalização na política brasileira, ameaçando a nossa democracia.
A possibilidade de uma segundo turno entre Bolsonaro e Fernando Haddad não parece ser saudável para o Brasil. Nessa disputa, o que vai predominar é o ódio. Independente de quem vencer as eleições, o país vai continuar dividido e a radicalização vai aumentar. Nesse momento, precisamos de uma terceira via, conciliadora, agregadora, que coloque os interesses nacionais acima de qualquer disputa ideológica.  Do contrário, podemos estar caminhando à passos largos para uma guerra civil.


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

AS CHAMAS DA IGNORÂNCIA




“Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos.”
Ray Bradbury – Fahrenheit 451

Hoje é um dia extremamente triste. O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, reduziu a cinzas mais de duzentos anos de história. Milhares de documentos, livros e artefatos arqueológicos foram consumidos pelo fogo. Muito mais do que papéis e objetos, o que queimou na noite deste domingo foi a nossa memória. Infelizmente, esse incêndio era uma tragédia anunciada. Ele reflete o descaso com que a História é tratada nesse país. Quando vemos um governo congelar os investimentos em educação e cultura por 20 anos, através da PEC 241, fica claro que a ignorância e o desprezo pela cultura é um projeto político.
Enquanto eu assistia as chamas consumir o Museu Nacional pela TV, com um nó na garganta e o coração apertado, inevitavelmente veio à minha mente o livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. O livro, escrito em 1953, nos apresenta um futuro onde a leitura é criminalizada e aos bombeiros caberia a tarefa de encontrar e incendiar livros. A ignorância, o desprezo pela reflexão, pela cultura e pela História são as principais marcas desse mundo distópico criado por Bradbury. O autor nos apresenta até a receita para a imbecilização do homem:

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias, as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”

É assustador constatar que entre a distopia criada por Ray Bradbury e a atual situação do Brasil não há nenhuma linha que separe ficção da realidade. Vivemos, diariamente, a nossa própria distopia. Ler Fahrenheit 451 é como ver nossa imagem refletida em um espelho. Aqui, valorizamos a ignorância em detrimento da inteligência. As opiniões substituem as reflexões. Vomitamos nossos preconceitos e nosso ódio nas redes sociais e acreditamos em todo tipo de fake news. Tudo isso se intensifica na mesma proporção em que desprezamos a História e a cultura. Aqui, prevalece a política de “deixar os historiadores para lá”. 
O incêndio do Museu Nacional reflete essa situação. Não foi acidente. O incêndio está em perfeita harmonia com o projeto de poder que impera no Brasil. As luzes que tomaram conta da Quinta da Boa Vista estão tragicamente ligadas aos tempos sombrios que estamos atravessando.