terça-feira, 12 de março de 2013

Aquilo que dá no coração


“Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.”
(Fernando Pessoa)


Vivemos, todos, atormentados de sentidos. Viver, basicamente, é sentir. Estamos sempre experimentando as mais variadas e intensas sensações. No entanto, não é fácil lidar com esses sentimentos; conviver com eles muitas vezes é doloroso, impreciso, confuso. Temos medo de encará-los, de nos entregarmos a eles.
Por isso, talvez, constantemente tratamos sentimentos (nossos e alheios) como coisas que podem ser rotuladas, medidas, classificadas e até comparadas. Tentamos domesticar o que sentimos atribuindo nomes, conceituando. Falamos de ‘Amor’ como se essa palavra carregasse em si um significado universal, como se existisse uma relação necessária e natural entre a palavra e o sentimento.
Esquecemos que sentir é subjetivo, que cada pessoa vivencia e experimenta os sentimentos de uma maneira diversa, pessoal. Nossas experiências, nossas cicatrizes, nossos medos, mágoas e sonhos interferem na maneira que sentimos. Ninguém ama da mesma forma. Não existe um “modelo de amor universal” que possa servir de base para classificarmos o que sentimos. Na falta desse modelo, tendemos a usar o nosso modo de sentir como referência. Procuramos, no outro, encontrar aproximações, semelhanças que satisfaçam nossa expectativa. Dizemos um “Eu te amo” na esperança de ouvir um “Eu também”.
O problema é quando essas semelhanças não aparecem. Quando o modo de sentir dos outros não corresponde ao nosso ideal, à nossa “cartilha”. Somos tentados a negar esse sentimento, a taxá-lo de “Não-Sentimento”. Daí surge expressões como “falso amor” que sempre aparece em oposição ao “amor verdadeiro” que, evidentemente, seria o nosso. Mas, afinal, o que é o amor?
O título desse texto faz referência a uma música de Lenine¹. Nela, o cantor pernambucano fala dos “sintomas” do que costumamos chamar de amor. Descreve as supostas sensações de quem está apaixonado. No entanto, em nenhum trecho da música Lenine atribui um nome a esse sentimento. Não há, na letra, nenhuma menção direta ao ‘Amor’ ou a ‘Paixão’, ele canta simplesmente “Aquilo”. Lenine, em um momento de genialidade, opera uma desnaturalização dos sentimentos. Sem rotular, ele amplia os significados, as possibilidades. Nessa música, ele nos ensina que palavras não podem aprisionar sentimentos.


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¹ "Aquilo que dá no coração": http://letras.mus.br/lenine/1685719/