segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Da Morte



A morte é o grande mistério da vida. É o absoluto desconhecido. E como todo desconhecido, ela nos causa medo, nos apavora. Foi justamente para afastar o medo causado pela morte que o homem criou a religião. Não por acaso, as grandes religiões do mundo buscam responder os mistérios que envolvem a morte e oferecer conforto aos vivos. A morte seria, em muitas religiões, apenas uma passagem para uma outra vida.
Apesar das respostas dadas pela religião, o fato é que a maioria de nós faz de tudo para afastar a ideia da morte do nosso dia a dia. Vivemos como se nunca fossemos morrer. O que é compreensível, uma vez que a lembrança constante da nossa finitude pode nos levar à infelicidade, à angústia. Assim, a morte é expulsa do nosso cotidiano e quando ela aparece, é sempre de forma trágica, dolorosa.
No entanto, há uma expressão em latim que nos oferece uma outra forma de encarar a morte: Memento Mori (que significa algo como “lembre-se de que vai morrer”). Sempre que um general romano era recebido com festa pelo povo, depois de uma grande vitória, alguém ficava em sua carruagem sussurrando essas palavras: “Olhe ao seu redor. Não se esqueça de que você é apenas um homem. Lembre-se de que um dia você vai morrer”.
Por mais mórbida que essa ideia possa parecer, a lembrança da nossa mortalidade pode nos levar a ter outra relação com a vida. A consciência que estamos inexoravelmente condenados à morte, nos impele a valorizar mais a existência. Memento Mori, portanto, é um impulso à vida. É um imperativo para aproveitar os dias que nos restam da melhor maneira possível. Assim, é diante da ideia da morte que a nossa vida ganha sentido. Será que estamos fazendo valer a nossa existência? A vida é rara, portanto, carpe diem, aproveite o dia.

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

O Brasil à beira do abismo






Desde a vitória de Dilma Rousseff, em 2014, o Brasil está presenciando uma das maiores crises políticas da sua história. Depois das eleições, o país se dividiu. Direita x Esquerda, Coxinhas x Petralhas: essa polarização tomou conta da política nacional e deixou em segundo plano qualquer discussão sobre um projeto de desenvolvimento para o país. O resultado foi uma grave crise econômica e política que culminou no impeachment/golpe de Dilma, em 2016. Paralelo a isso, a atuação da Lava-Jato expôs à sociedade graves escândalos de corrupção envolvendo praticamente todos os partidos, mostrando que no Brasil a corrupção é sistêmica, não é obra exclusiva do partido A ou B.
Esse conjunto de coisas provocou uma crise de representatividade na política. A democracia passou a ser questionada. Muitas pessoas passaram a falar abertamente em intervenção militar. No meio dessa crise (e graças a ela), a figura de Jair Bolsonaro ganhou força. Com um discurso conservador, contra minorias e, sobretudo, se colocando contra a chamada “velha política”, Bolsonaro passou a atrair os votos daqueles que estão insatisfeitos com a política tradicional brasileira. Esses eleitores veem nele uma espécie de salvador, um messias capaz de livrar o Brasil da corrupção e da “ameaça vermelha”.
Nesse novo cenário, a disputa política entre PT e PSDB que durante muito tempo predominou no Brasil, deu lugar à outra polarização: Bolsonaro x PT. Essa nova dualidade é muito mais perigosa. Ela tem o potencial de dividir ainda mais o país, uma vez que o antipetismo é tão grande quanto o antibolsonarismo. Essa disputa pode aumentar a radicalização na política brasileira, ameaçando a nossa democracia.
A possibilidade de uma segundo turno entre Bolsonaro e Fernando Haddad não parece ser saudável para o Brasil. Nessa disputa, o que vai predominar é o ódio. Independente de quem vencer as eleições, o país vai continuar dividido e a radicalização vai aumentar. Nesse momento, precisamos de uma terceira via, conciliadora, agregadora, que coloque os interesses nacionais acima de qualquer disputa ideológica.  Do contrário, podemos estar caminhando à passos largos para uma guerra civil.


segunda-feira, 3 de setembro de 2018

AS CHAMAS DA IGNORÂNCIA




“Existe mais de uma maneira de queimar um livro. E o mundo está cheio de pessoas carregando fósforos acesos.”
Ray Bradbury – Fahrenheit 451

Hoje é um dia extremamente triste. O incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, reduziu a cinzas mais de duzentos anos de história. Milhares de documentos, livros e artefatos arqueológicos foram consumidos pelo fogo. Muito mais do que papéis e objetos, o que queimou na noite deste domingo foi a nossa memória. Infelizmente, esse incêndio era uma tragédia anunciada. Ele reflete o descaso com que a História é tratada nesse país. Quando vemos um governo congelar os investimentos em educação e cultura por 20 anos, através da PEC 241, fica claro que a ignorância e o desprezo pela cultura é um projeto político.
Enquanto eu assistia as chamas consumir o Museu Nacional pela TV, com um nó na garganta e o coração apertado, inevitavelmente veio à minha mente o livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury. O livro, escrito em 1953, nos apresenta um futuro onde a leitura é criminalizada e aos bombeiros caberia a tarefa de encontrar e incendiar livros. A ignorância, o desprezo pela reflexão, pela cultura e pela História são as principais marcas desse mundo distópico criado por Bradbury. O autor nos apresenta até a receita para a imbecilização do homem:

A escolaridade é abreviada, a disciplina relaxada, as filosofias, as histórias, as línguas são abolidas, gramática e ortografia pouco a pouco negligenciadas, e, por fim, quase totalmente ignoradas. A vida é imediata, o emprego é que conta, o prazer está por toda parte depois do trabalho. Por que aprender alguma coisa além de apertar botões, acionar interruptores, ajustar parafusos e porcas?”

É assustador constatar que entre a distopia criada por Ray Bradbury e a atual situação do Brasil não há nenhuma linha que separe ficção da realidade. Vivemos, diariamente, a nossa própria distopia. Ler Fahrenheit 451 é como ver nossa imagem refletida em um espelho. Aqui, valorizamos a ignorância em detrimento da inteligência. As opiniões substituem as reflexões. Vomitamos nossos preconceitos e nosso ódio nas redes sociais e acreditamos em todo tipo de fake news. Tudo isso se intensifica na mesma proporção em que desprezamos a História e a cultura. Aqui, prevalece a política de “deixar os historiadores para lá”. 
O incêndio do Museu Nacional reflete essa situação. Não foi acidente. O incêndio está em perfeita harmonia com o projeto de poder que impera no Brasil. As luzes que tomaram conta da Quinta da Boa Vista estão tragicamente ligadas aos tempos sombrios que estamos atravessando.


quinta-feira, 5 de abril de 2018

Muito além do Lula

 



Ontem, por mais de onze horas, foi julgado o pedido de habeas corpus de Lula no STF. A votação terminou 6x5 contra o pedido da defesa. O placar apertado é indicativo de que o tema é espinhoso e que não pode ser interpretado no campo das paixão políticas e extremismos.
Muito mais do que a concessão ou não do habeas corpus de Lula, o que estava em jogo na votação de ontem era uma questão maior, constitucional: a possibilidade de execução da pena a partir da condenação em segunda instância.

Os ministros que votaram a favor do habeas corpus entenderam que a prisão após condenação em segunda instância fere princípios constitucionais de presunção de inocência e aplicação da pena depois do trânsito em julgado.

Como versa o Art. 5, LVII:
"ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;"

A decisão de negar o habeas corpus foi baseada em uma jurisprudência de 2016 na qual prevê a execução da pena a partir da condenação em segundo grau.

Se olharmos apenas a letra fria da lei, a prisão sem o trânsito em julgado é inconstitucional. No entanto, a decisão de 2016, a qual serviu de parâmetro para o resultado da votação de ontem, foi tomada na intenção de acelerar o cumprimento da pena, minimizando a impunidade daqueles que podem pagar bons advogados e fazer o processo se arrastar por décadas em um mar sem fim de recursos e embargos, visando a prescrição.

Tal situação contrasta com a realidade de grande parte da população carcerária brasileira que se encontra presa sem ao menos ter sido julgada, e no geral, por crimes de menor gravidade.

Juridicamente, o resultado de ontem foi um importante passo em busca de uma maior isonomia na aplicação das penas, fazendo a lei chegar àqueles que se acostumaram com a impunidade.