domingo, 15 de maio de 2011

Os Novos Fascistas

Torcida Jovem (organizada do Sport)

Confronto entre as organizadas do São Paulo e do Palmeiras







Muito se discute sobre torcidas organizadas no futebol. Constantemente elas figuram nas páginas dos jornais protagonizando episódios de violência. No entanto, só recentemente comecei a pensar sobre o assunto. O interesse surgiu depois que presenciei um espancamento de um torcedor do Santa Cruz por um grupo de três torcedores do Sport em uma integração de ônibus no Recife. A cena me perturbou bastante, passei muito tempo para tirá-la da cabeça.

O que mais me inquietava ao pensar sobre o assunto era o seguinte: o que leva um indivíduo usar da violência contra uma pessoa desconhecida que, a priori, não lhe causou nenhum mal? É possível explicar racionalmente o ódio mortal que os torcedores nutrem pela torcida rival? Ao pensar sobre essas questões, percebi o caráter fascista das torcidas organizadas.
Assim como os movimentos fascistas, a atração que uma torcida organizada exerce sobre um indivíduo é imensa. Em um estádio de futebol, em meio a pessoas que compartilham a mesma preferência pelo seu time, você se sente tomado por um sentimento de êxtase e euforia. São momentos de transcendência, de eternidade. É uma oportunidade de se sentir parte de algo maior, algo que supera os limites e as fraquezas do indivíduo comum. Você é tomado por uma sensação de poder, um poder que vem do número, da multidão, dos gritos entoados em uníssono. Naquele momento o indivíduo se apaga, o que existe é a torcida. A torcida passa a dar sentido à vida.
Nesse sentido, o uniforme tem um importante aspecto simbólico. Ao mesmo tempo em que ele identifica quem é da torcida ‘A’ ou da torcida ‘B’, o uniforme passa a falsa idéia pra quem o usa de união, coesão. É uma forma de homogeneizar, de apagar as diferenças, seja de classe, de cor, de sexo, etc. O uniforme reforça a idéia de pertencimento a um grupo, além de transformar o indivíduo em massa
No entanto, ainda não chegamos ao centro da questão: a violência. Assim como o fascismo, as Torcidas organizadas se nutrem e se alimentam do ódio, da irracionalidade. Canalizam as energias e as liberam em forma de violência, de agressividade. É nesse ponto que surge a necessidade do inimigo (a torcida do time rival, os judeus, os estrangeiros, etc.). Todo ódio e violência reprimida são encaminhados aos “inimigos”, pois o ódio ao inimigo é o nexo que sustenta tanto o fascismo quanto as torcidas. Logo, a violência é justificada, mesmo irracionalmente, pela simples existência do outro, do adversário.
Finalmente, o mais preocupante é que o caso que eu presenciei na integração do Recife não é a exceção, é a regra. Sempre em dias de jogos há confrontos entre torcidas e depredações de ônibus. Enquanto isso as autoridades públicas parecem estar muito ocupadas reprimindo movimentos sociais. Afinal, politicamente falando as torcidas organizadas não representam nenhuma ameaça ao Estado, pois elas são despolitizadas: elas são fascistas na forma, mas em seu conteúdo carecem de ideologia. O quadro ganharia outros tons se as torcidas organizadas utilizassem sua força contra o aumento das passagens ou contra a corrupção no poder público, por exemplo.
Portanto, creio que a solução para o problema da violência nos estádios passe pela extinção das torcidas organizadas, uma completa reestruturação dos estádios, e uma política educacional de qualidade. Temos que fazer com que a escola ocupe o lugar das torcidas organizadas na vida dos jovens, e quem sabe assim eles utilizem sua força e energia para trazer as transformações que nossa sociedade necessita.

7 comentários:

  1. Provocação: Pq as torcidas, a violência, o fascismo são coisas ruins? por que pensar de maneira tão dicotômica? Pq: uma política educacional de qualidade? ela não tbm não seria fascista na medida que torna os corpos dóceis?

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  2. Tásso,

    Vamos por partes:
    1) "Pq as torcidas, a violência, o fascismo são coisas ruins?"

    Realmente, as torcidas, a violência e o fascismo não são essencialmente ruins. Tudo é uma questão de ponto de vista. No caso, eu me coloco do ponto de vista do torcedor que foi covardemente agredido, ou mesmo do ponto de vista das minorias que foram perseguidas e exterminadas nos regimes fascistas. Para esses, com certeza esses fenômenos são ruins.
    Sobre a violência, prefiro acreditar que o melhor é o diálogo, a discussão. Por exemplo, em uma sociedade alicerçada na violência dificilmente poderíamos ter esse debate. A violência é a arma de quem não tem nada a dizer (ou simplesmente não pode dizer). Novamente enfatizo, a violência não é essencialmente ruim, mas em uma sociedade democrática não vejo argumentos para defendê-la.

    2) "Pq: uma política educacional de qualidade? ela não tbm não seria fascista na medida que torna os corpos dóceis?"

    Nesse ponto, assumo a responsabilidade por não especificar que tipo de política educacional estou defendendo. Quando falo "educação de qualidade" me refiro a uma reestruturação das escola (aspectos físicos, curriculares, etc.) e uma valorização dos profissionais de educação, entre outras coisas.
    Sobre o caráter fascista da escola, não acredito. Vai depender do que você considera "de qualidade". Acredito em uma educação alicerçada na autonomia, na liberdade e na convivência democrática. Uma educação que estimule a criticidade e a criatividade do aluno. Não sei como esse tipo de educação pode ser fascista.
    Na verdade, o atual modelo educacional é que tornam os "corpos dóceis". Não ser dócil não dignifica ser violento, agressivo. Significa ser autônomo, crítico e contestador.

    Espero ter sido claro.

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  3. A docilidade que eu falava é na perspectiva foucualtiana, não se trata de oposição virtual a violência. O que eu me pergunto é que: como essa educação que se quer autônoma, formadora de sujeitos autônomos vai inibir uma das escolhas, vai determinar que os torcedores sejam menos violentos?
    Se ela é assim é não se quer autônoma. O poder muito mais que reprimir tem função de criar. E por isso eu não espero que a autonomia seja totalizante. É preciso se lembrar da noção de liberdade medieval, onde somos livres "para" e não "de".
    Obviamente eu sou contra esta violência, mas, tbm não posso aceitar a violência simbólica que é tão comum no processo educativo.
    E questão é se a violência que as torcidas organizadas nos inflige é menos aceitável do que a que pretendemos infligir a ela?

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  4. são só provocações, para além do bem e do mal

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  5. Acredito que grande parte da violência dos jovens tem raízes na falta de perspectiva, no fim das utopias. Para citar um trecho de Laranja Mecânica:

    "Mas eu não conseguia deixar de me sentir um pouquinho decepcionado com as coisas do jeito que era naquela época. Nada contra o que lutar de verdade..."

    Nesse sentido é que acredito no papel transformador da educação. Ela não vai eliminar a capacidade de escolha do indivíduo. Pelo contrário, vai ampliar o leque de possibilidades. Oferecer um caminho, uma saída. Ampliar a perspectiva do indivíduo. Evidente que a violência não será erradicada, só a educação não resolve. Mas creio que haveria uma redução considerável desse tipo de fenômeno.

    Quanto ao aspecto violento do processo educativo, infelizmente acredito que ele é intrínseco. Educar é socializar e Freud já nos advertiu do caráter coercitivo da socialização.

    Precisamos de mais utopias e menos niilismo.

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  6. Achei muito interessante e coerente seu texto! Eu tive um professor no ensino médio que amava esse assunto...

    E, realmente:
    Precisamos de mais utopias e menos niilismo. [2]

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  7. Casos assim merecem mesmo vir à tona.
    .
    Mas infeliz analogia essa aqui:
    "Assim como o fascismo, as Torcidas organizadas se nutrem e se alimentam do ódio, da irracionalidade."

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