terça-feira, 31 de maio de 2011

Combates na História

Os "Caras Pintadas", em 1992



“Quem controla o passado controla o futuro;
 quem controla o presente controla o passado”
George Orwell – 1984

Afinal, o que é a História? Para que ela serve? Com certeza, muitos de nós já nos fizemos essa pergunta. Por mais complexa que possa parecer essa questão, uma coisa é certa: a História é perigosa. Sim, perigosa! Muitos a temem, outros tentam controlá-la. Por que?
A História não é simplesmente o acúmulo dos acontecimentos do passado. Nem tampouco é neutra, imparcial. Narrar uma história é atribuir significados, é dar importância a determinados acontecimentos em detrimento de outros, é fazer escolhas. Ela não está presa ao passado: pensamos e narramos a História a partir das questões e interesses do presente e, através dela, fazemos projeções para o futuro. Ela organiza um campo de ação, um modo de conceber o mundo. Nesse sentido é que se expressa sua dimensão política.
Constantemente, a História é usada para dar legitimidade a governos, perpetuar “certezas” e dissipar conflitos. É o que chamamos de “História Oficial”. Uma história que está a serviço da manutenção da ordem e perpetuação dos que estão no poder.
O uso político da História não é novidade: na antiga URSS, Stálin reconstrói a narrativa sobre a Revolução Russa e tira Trotsky, seu opositor, dos livros de história. Na literatura, George Orwell nos põe diante de uma Inglaterra futurística no qual a ditadura do Grande Irmão reescreve constantemente a História, utilizando-a para justificar seu poder e perseguindo aqueles que a questionam.
Ontem, 30 de Maio de 2011, a política brasileira deu mais um exemplo de como “usar” a História para perpetuar poderes. Foi reinaugurado, no Senado, o “Túnel do Tempo”: um corredor ao longo do qual se vê uma linha do tempo em que se exibem, através de imagens e textos, os “principais” acontecimentos políticos do país, de 1889 (proclamação da República) até os dias atuais. Curiosamente, o impeachment do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor de Mello (PTB – AL), de 1992, foi “apagado” da história.
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB – AP), antigo desafeto e hoje aliado político de Fernando Collor, justificou a atitude alegando que o impeachment de Collor foi um “acidente que não deveria ter acontecido”, o acontecimento não teria sido “marcante”. Em suas palavras:
“Não posso censurar os historiadores que foram encarregados de fazer a história. Agora, acho que talvez esse episódio seja apenas um acidente que não deveria ter acontecido na história do Brasil. Mas não é tão marcante como foram os fatos que aqui estão contados, que foram os que construíram a história, não os que de certo modo não deveriam ter acontecido” (grifos meus).
O que Sarney pretende com essa atitude? Ele é capaz de determinar o que é importante ou não para a História? Classificar o processo de impeachment de Collor como um erro sem importância que não deveria ter acontecido é renegar a luta daqueles que foram às ruas no movimento dos Caras Pintadas gritando “fora Collor!”. É simplesmente tentar “varrer” da História um dos momentos em que a sociedade civil fez valer sua voz e derrubou o presidente da República. É uma agressão simbólica à sociedade brasileira. O Senado reescreveu a história do Brasil e nela não há lugar para os brasileiros.
No entanto, como já mencionei, a História é perigosa! Assim como pode sustentar um governo, ela pode derrubá-lo. O campo da História é antes de tudo um campo de combate. Daí a importância do historiador: ele deve lutar contra a História instituída, destruindo o discurso daqueles que querem perpetuar seus privilégios e poderes. Como escreveu o filósofo Walter Benjamin, ele deve “escovar a História a contrapelo”.

3 comentários:

  1. Se não temos direitos a participação política, não temos direito a memória..
    Mais uma vez, a tapa foi dada na cara de muitos cidadãos brasileiros que vivem a história, quando estes tiveram o direito a memória negado por uam instituição política que teoricamente representa a nação em seu conjunto.
    É evidente que grupos, entidades, sociedades... escrevem sua história de acordo com sua necessidade. A necessidade do Senado é reflexo da necessiadde dos indivíduos que ali estão. Fica evidente como será contada a história ali – “O Senado reescreveu a história do Brasil e nela não há lugar para os brasileiros.”

    Reescrever a história - isso seria escrever a história com outras motivações (tirar a história da mão da direita e colocá-la na mão da esquerda)? não surgiria novas arbitrariedades históricas?

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    parabéns pelo texto

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